terça-feira, 29 de julho de 2014

As mulheres, Jaquelaine e a banalidade do mal*





Assassinato de mulheres é ainda considerado violência corriqueira, comparável à onda de violência que, segundo a grande mídia, assola o país. Embora estejamos vivendo uma era de revolução tecnológica, com capacidade de comunicação à distância em tempo real, as mulheres continuam a sofrer os abusos de uma sociedade patriarcal, machista e violenta. São equiparadas a meros objetos, passíveis de consumo e propriedade, cujo papel é socialmente determinado e voltado à satisfação das necessidades e desejos dos homens.

O episódio envolvendo o seqüestro e morte brutal da estudante de jornalismo Jaquelaine Arruda Mamede, que ocorreu em Uberaba na última semana, seguida das informações que surgiram na mídia acerca do assunto, é mais um episódio lamentável de como se comportam os veículos de comunicação quando mulheres são vítimas de assassinato. As “reportagens” veiculadas procuram explicações (ou justificativas) que sejam capazes de funcionar como atenuantes para uma realidade torpe, cruel e inaceitável: as mulheres são cotidianamente espancadas, torturadas, desfiguradas, violentadas e executadas, como foi Jaquelaine!

O comportamento da mídia frente a tortura e assassinato de Jaquelaine, comparado ao tratamento dispensado às mulheres ao longo da história do Brasil, nos remete à narrativa de Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, ao discorrer como o “senhor” reservava às mulheres da casa grande um espaço longe da vista e alcance de todos, enquanto as demais (negras, índias e as que não faziam parte daquele círculo restrito) eram passíveis de satisfazer seus desejos e caprichos sexuais, bem como consideradas extensão de sua propriedade.

A exposição da intimidade da vítima, sob o disfarce de que isso é necessário à elucidação do crime, é inadmissível. Cotidianamente, a imprensa e a polícia se deparam com casos de assassinatos nos quais não são divulgadas quaisquer informações acerca da intimidade das vítimas, com a alegação deque o sigilo necessário ao bom andamento das investigações. A exposição acerca da vida e intimidade de Jaquelaine deve ser creditada não à necessidade de elucidação do crime e sim como tentativa de desqualificá-la, como rotineiramente ocorre com mulheres que são vítimas de violência e assassinatos brutais.

Embora estejamos vivendo uma era de revolução tecnológica, com capacidade de comunicação à distância em tempo real, as mulheres continuam a sofrer os abusos de uma sociedade patriarcal, machista e violenta. São equiparadas a meros objetos, passíveis de consumo e propriedade, cujo papel é socialmente determinado e voltado à satisfação das necessidades e desejos dos homens.

É imprescindível que a polícia se empenhe para que esse crime brutal e hediondo seja esclarecido, e que o(s) culpado(s) punido(s) pela justiça. É o mínimo que se exige em uma sociedade que se denomina civilizada!

Todavia, chamamos essa mesma sociedade a uma grande discussão pautada pela honestidade acerca da condição da mulher, especialmente as “Jaquelaines”, cotidianamente vítimas de violência, tortura, estupro, assassinato! Necessário também debate acerca do tratamento dispensado a essas mulheres pela mídia, que reforça todo o preconceito e discriminação enraizados no tecido social.

*Arendt, Hannah – Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal.

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